Nem só tristeza traz a morte

Valor Investe (Íntegra da notícia)

14/05/2019

Fundo imobiliário que investe em cemitérios pode ter retorno de IPCA+7% ao ano. O lado negativo (além da morte) é que o retorno demora a vir, já que este é um negócio que exige altos investimentos nos primeiros anos.

Ninguém gosta de falar sobre morte. Mas dá para lucrar sim com a morte, dos outros, claro. Por mais que essa ideia traga desconforto, é inegável que é um mercado promissor. Pra se ter uma ideia, em 2017 (que é o número mais recente que se tem), morreram 1,33 milhão de brasileiros, um número nada desprezível.

A gente vive repetindo aquela velha máxima de que “na vida, a única coisa certa mesmo é a morte”. Não é? Pois bem, e por que não investir em algo tão inexorável, assim como 2 e 2 são 4? Pelo menos é nisso que Vicente Conte Neto tem apostado nos últimos oito anos.

A gestora na qual é sócio, a Zion Invest, administra desde 2016 o primeiro fundo de investimentos imobiliário (FII) com foco em comprar participações em cemitérios. Chamado de FII Brazilian Graveyard and Death Care Services e apelidado de CARE 11 (care, em inglês, significa cuidado e CARE11 é seu código de negociação na bolsa de valores, a B3), hoje o patrimônio soma R$ 220 milhões e o fundo tem participação direta ou indireta em 11 cemitérios e milhares de jazigos avulsos em outros cemitérios.

Fazem parte do portfólio, por exemplo, fatias do cemitério Terra Santa, em Sabará, região metropolitana de Belo Horizonte (MG), do Cemitério Complexo Vale do Cerrado, na região metropolitana de Goiânia (GO), do Parque das Allamandas, em Londrina (Paraná), e uma participação de 25% no grupo Cortel, do Rio Grande do Sul (RS), dono de oito cemitérios, seis espalhados pelo Estado-sede, um no Rio de Janeiro capital e outro em Manaus (Amazonas).

O fundo vem comprando ainda jazigos independentes em diversos outros lugares, como o Cemitério do Morumby, em São Paulo, onde o fundo é dono de 2.500 sepulcros. Em breve, também deve anunciar outro negócio no interior paulista (a gestora não quis dar mais detalhes).

São quase 1.200 cotistas investindo no fundo hoje, em sua maioria pessoas físicas de alta renda, além de um banco, uma seguradora e alguns investidores institucionais. Todos eles apostando no lucrativo, mas pouco falado, mercado da morte.

Como não há em curso uma nova oferta, quem quiser se associar e ser dono de um cemitério (na verdade, de uma parte dele), pode comprar participação do CARE11 na bolsa. Por meio de uma corretora, é possível comprar cotas que custam R$ 1,38 cada (não há lote mínimo). E quem está nele e quiser vender sua participação, também pode negociar na B3. Juntas, as taxas de administração, controladoria e custódia são de 1,6% ao ano sobre o valor do patrimônio.

Os lucros do paraíso

Cuidados com a morte. Esta é a tradução literal do inglês para ‘death care’, como também é chamado o mercado funerário por aí. Como dá para imaginar, é um mercado que não passa nunca por crise econômica.

Enquanto o PIB (Produto Interno Bruto) do Brasil despencou 3,5% em 2015, caiu 3,3% em 2016 e subiu apenas 1,1% em 2017, o número de óbitos só cresceu. Passou de 1,29 milhão em 2015, para 1,31 milhão no ano seguinte e 1,33 milhão em 2017.

A expectativa é que a taxa de mortalidade, que em 2017 ficou em 0,62%, salte para 0,84% em 2037 e atinja 1,24% em 2057, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Ainda de acordo com o Instituto, em 2060, 1 em cada 4 brasileiros terá mais de 65 anos. E a lei da vida é implacável: quanto mais velha a população, maior a taxa de mortalidade.

Parece tétrico, mas definitivamente é um mercado promissor. Um cemitério consolidado (com mais de 10 anos) no setor pode gerar uma margem de lucro em torno de 25%. Mas, engana-se quem pensa que, ao investir no CARE 11, vai receber todo mês um dinheiro pelo enterro dos mortos.
A meta do fundo é pagar ao cotista a inflação (medida pelo IPCA) mais 7% ao ano. Mas, como ele está na fase de fazer investimentos, são raros os momentos em que o cotista recebe algo. O fundo pagou rendimentos em 2017, mas ninguém recebeu um real em 2018, por exemplo.

De janeiro de 2018 até agora, a cota do fundo se desvalorizou 37%. Enquanto isso, o IFIX, o índice que serve de referência para os fundos imobiliários, subiu 12% no mesmo período. Além disso, dá para ver pelo gráfico abaixo, que mostra a evolução do valor da cota, que a volatilidade — ou seja, o sobe e desce do preço do ativo — também é alta. Veja:

Se quiser mais detalhes, você pode consultar os informes mensal, trimestral e anual do fundo aqui.

Ida ao paraíso, mas com escala

A explicação para a demora no retorno está na própria natureza do negócio. Investir em cemitério parece promissor, mas dá um trabalhão danado e ainda envolve muito dinheiro.

Para começar um negócio no ramo em uma cidade de médio porte do interior de São Paulo, por exemplo, você precisaria de aproximadamente R$ 50 milhões e levariam uns bons anos para comprar e preparar o terreno, conseguir todas as autorizações e certificações jurídicas, administrativas e ambientais para funcionar.

Isso sem contar o tempo e o dinheiro para disputar a licitação para receber a permissão da prefeitura. Claro, precisa ainda torcer pras pessoas morrerem (brincadeirinha!) e as famílias comprarem os jazigos no seu cemitério e também contratarem os serviços funerários.

Vicente Conte, do Zion, explica que, nos primeiros cinco anos, os investimentos vão para as instalações e o terreno e depois ainda será preciso mais um tempo pro negócio maturar. Os primeiros 10 anos de um cemitério exigem investimento, segundo ele. Então, é provável que ele renda dividendos muito baixos.
Mesmos cemitérios que já operam nem sempre estão em boa saúde e precisam de um tempo para fazer uma reeducação financeira, aumentar as receitas, e começar a ver os resultados.

“A partir disso, ano a ano começam a superar o retorno da maior parte das classes de ativos e nos próximos anos. Não é exagero neste caso afirmar que, na perpetuidade (que neste caso, de perpétuo só o retorno mesmo), passam a rentabilizar dividendos muito acima de qualquer classe de ativos”, explica o empresário.

O paraíso chega em 2020

A expectativa do CARE11 é ter excedente de caixa para começar a pagar dividendos mensais a partir de 2020. “Além disso, vemos um grande potencial de valorização do patrimônio com o possível IPO (abertura de capital na bolsa) que estamos desenhando”, comenta Conte.

É nesse momento que você limpa os ouvidos e pensa “eu ouvi IPO?” Pois é, IPO, isso mesmo!

Plano de vida (ou de morte)

O plano da gestora para o CARE11 começou a ser traçado muito antes de 2016. Filho de um sócio de cemitério em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, Vicente Conte Neto cresceu ouvindo o pai, Claudenir Conte, comentar naturalmente sobre o negócio.

Depois de fazer carreira em bancos –– trabalhou nos bancos de investimentos Itaú BBA e Credit Suisse – e abrir sua própria gestora de recursos, decidiu escutar ao chamado e pisar com os dois pés na cova.

Em 2016, ele e os sócios da gestora de recursos Zion assumiram a administração de um fundo de renda fixa, até então administrado por outra empresa, e o transformaram no primeiro fundo de investimentos em cemitérios do país.

À medida que aprofundava os estudos neste mercado, Conte Neto percebeu que seu potencial era muito maior. O fundo era apenas uma parte do que poderia ser um grande grupo do setor funerário, a exemplo da americana Service Corporation International (SCI).

Com um valor de mercado de US$ 7,76 bilhões, a SCI é o maior grupo do setor no mundo – opera 1.500 funerárias e 400 cemitérios em 43 estados americanos, além do Canadá e Porto Rico. Listada na Nyse, uma das bolsas de valores dos EUA, suas ações se valorizaram mais do 100% nos últimos cinco anos.

Outros exemplos como este, ainda que menores, são vistos em diversos países e todos têm em comum a consolidação e profissionalização do mercado da morte. A vantagem, meio óbvia, é ganhar escala para reduzir custos, padronizar processos, fazer vendas de uma gama maior de serviços e, consequentemente, conquistar margens de lucro maiores. É isso que Vicente Conte e sua equipe estão planejando fazer com o CARE11.

Morte S.A.

“Vemos muita oportunidade de consolidação. Existem muitos cemitérios pelo país, principalmente nas mãos de famílias, que seriam muito mais lucrativos se fossem melhor geridos. Mesmo negócios já bem administrados poderiam ganhar mais se oferecerem outros serviços, como cremação de animais de estimação, por exemplo, que é uma tendência”, conta o executivo.

Desde 2016, o fundo da Zion investiu cerca de R$ 180 milhões captados em ativos (cemitérios e jazigos), além dos R$ 50 milhões que já haviam sido usados para comprar 30% de participação do cemitério Terra Santa, em Minas Gerais, pouco antes de assumirem o fundo imobiliário.

Mas foi a associação com o grupo gaúcho Cortel que fez os olhos dos sócios brilharem. Eles viram aí a tão sonhada oportunidade de consolidação do setor.

Juntos, estão estruturando uma holding que abrigará o fundo (que hoje detém 25% de participação do negócio), os cemitérios do Cortel e continuará a investir em novas aquisições no setor. A ideia é poder, inclusive, começar a prestar consultoria em gestão para outras famílias e administradores de empresas do ramo funerário, para ajudá-los na administração do negócio.

Outra grande aposta é na concessão de serviços de cemitérios públicos de São Paulo, um grande filão deste setor funerário. A prefeitura da capital deve colocar em licitação ainda este ano, provavelmente no segundo semestre, a administração de 20 cemitérios e um crematório públicos. O retorno, segundo o empresário, é bem interessante e deve trazer boas cifras pro caixa da nova empresa, a holding.

O nome dela (da holding) deve ser Cortel mesmo para aproveitar a tradição do grupo no mercado — são mais de 50 anos atuando com a morte, apesar de a companhia estar mais viva do que nunca. “Nossa meta como holding Cortel é faturar R$ 200 milhões ao ano nos próximos três anos. Não divulgamos a receita hoje, mas o crescimento deverá ser de 25% ao ano”, diz otimista o empresário.
Concluída a parte burocrática, entra em ação a segunda fase: o IPO. Se tudo der certo, até 2022 a empresa listará ações na B3 e quem tiver participação no fundo (e estiver vivo), ganhará com a valorização dos ativos. Pelo menos esse é o plano.

“Caso o gestor e os cotistas do fundo achem oportuno, podemos vender as ações na B3. Os recursos da venda de ações podem ser devolvidos aos cotistas ou reinvestidos. O CARE11 continuará tendo participações nos outros ativos já adquiridos e novos ativos que estão sendo analisados”, explica Conte.
Apesar de ser um fundo de investimento imobiliário, já deu para perceber que a pegada do CARE11 é diferente das tradicionais carteiras imobiliárias. Ele se comporta como um fundo que investe em empresas, o chamado ‘private equity’.

Por isso, se você está gostando da tese, precisa estudar com cuidado o prospecto e conversar com a gestora antes de sair investindo. É preciso entender se o que eles querem está alinhado com o que você quer e acredita. E até mais importante: se você pode esperar o tempo necessário para ver o retorno esperado (às vezes você pode precisar do dinheiro antes disso).

Expectativas todos temos, mas certeza, só mesmo a morte.


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